Aos que me conhecem, sabem que a alguns tempos venho com uma ideia obsessiva em cursar medicina e exercer essa profissão que tanto carece de bons profissionais, que queiram se dedicar, saibam conduzir com ética sua vocação e queiram exercer com prazer esse que para mim é mais que uma profissão, é na verdade um sacerdócio.
Tenho recebido muitos "nãos" e palavras negativas quanto a tal escolha, é deprimente ver o quão sem fé e desacreditadas as pessoas podem ser, o pensar pequeno de tais pessoas é o que os faz permanecer e se conformar com a vida que lhes foi oferecida. Eu não! Eu não busco o fácil, o já designado, quero me arriscar, e me dou esse direito, sei que posso mais, que irei ajudar mais, e quero a cada dia que passa me tornar o profissional até o momento idealizado em meu mais profundo sentimento de fé. Essa é uma boa palavra, FÉ, ela que me conduz para abraçar e agarrar com unhas e dentes o que querem tirar de mim. Posso me arrepender, desistir, mas se eu não tentar me sentirei um frustrado eterno. Então, um dia me deparei com esse texto - belo por sinal e que merece ser lido e refletido - que necessitava compartilhar com vocês leitores, e principalmente vocês leitores que querem o mesmo que eu.
Não será de hoje para amanhã que tudo acontecerá, mas em um amanhã acontecerá, eu eu sei esperar. E que o futuro bom nos aguarde, estamos chegando.
Conselhos de Esculápio
"Queres ser médico, meu filho? Essa aspiração é digna de uma alma generosa, de um espírito ávido pela ciência. Desejas que os homens te considerem um Deus que alivia seus males e lhes afugenta o medo. Mas, pensaste no que se transformará a tua vida?
Terás que renunciar à vida privada: enquanto a maioria dos cidadãos pode, terminado o trabalho, distanciar-se dos importunos, a tua porta estará sempre aberta a todos. A qualquer hora do dia e da noite virão perturbar o teu descanso, o teu lazer, a tua meditação; já não terás hora para dedicar à família, aos amigos, ao estudo... Já não te pertencerás.
Os pobres, acostumados a sofrer, chamar-te-ão só em caso de urgência. Mas os ricos tratar-te-ão como escravo encarregado de remediar os seus excessos; seja porque têm uma simples indigestão, seja porque estão resfriados; farão com que te despertes e venhas a toda a pressa, logo que sintam alguma moléstia. Terás que te mostrar interessado pelos detalhes mais comuns da sua existência; terás que lhes dizer se devem comer carne de boi ou peito de galinha, se lhes convém andar deste ou daquele modo. Não poderás ir ao teatro nem ficar doente: terás que estar sempre pronto a acudir, quando chamado.
Eras rígido na escolha de teus amigos. Procuravas o convívio de homens de talento, de almas delicadas e de bons conversadores. Agora não poderás descartar os chatos, os pouco inteligentes, os presunçosos, os desprezíveis. O mal feitor terá tanto direito à tua assistência como o homem honrado: prolongarás vidas nefastas e o sigilo da tua profissão proibir-te-á impedir ou denunciar acções indignas das quais serás testemunha. Acreditas firmemente que com o trabalho honrado e o estudo atento poderás conquistar uma reputação: tem presente que te julgarão, não pela tua ciência, mas pela casualidade do destino, pelo corte da tua roupa, pela aparência da tua casa, pelo número dos teus criados pela atenção que dedicas às conversas informais e aos gostos dos teus clientes. Haverá os que desconfiarão de ti se não usas barba, outros se não procedes da Ásia; outros se acreditas nos deuses; outros se és ateu.
Gostas da simplicidade: terás que adoptar a atitude de um profeta. És activo, sabes quanto vale o tempo. Não poderás demonstrar cansaço ou impaciência: terás que escutar relatos que procedem do começo dos tempos, quando apenas se quer explicar a história de uma prisão de ventre. Os ociosos virão ver-te pelo simples prazer de conversar: servirás de escoamento para as suas mínimas vaidades. Embora a medicina seja uma ciência incerta, que graças aos esforços de seus discípulos vai adquirindo pouco a pouco, um certo grau de certeza, não te será permitido duvidar , sob pena de perderes a confiança que em ti depositam. Se não afirmas que conheces a natureza da enfermidade, que possuis o remédio para curá-la, o povo te trocará pelos charlatães que vendem a mentira que eles necessitam.
Não contes com o agradecimento de teus enfermos. Quando se curam, terá sido por sua própria robustez; se morrem fostes tu o culpado. Enquanto estão em perigo, tratam-te como a um deus: suplicam-te, exaltam-te, enchem-te de elogios. Apenas começam a convalescer, já os estorvas. Quando se lhes fala dos honorários, aborrecem-se e denigrem-te. Quanto mais egoístas são os homens mais solicitude exigem.
Não penses que esta profissão tão dura te tornará um homem rico. Asseguro-te: é um sacerdócio, e não seria decente que tivesses os ganhos de um comerciante de azeite ou de um político.
Compadeço-me de ti se te atrai o belo: verás o mais feio e repugnante que existe na espécie humana. Todos os teus sentidos serão maltratados. Terás que encostar o ouvido em peitos suados e sujos, respirar o odor das pobres favelas, os fortes perfumes das prostitutas; terás que palpar tumores, tratar de chagas verdes de pus, examinar urina, remexer em escarros, fixar o olhar e o olfacto em imundícies, colocar o dedo em muitos lugares.
Quantas vezes, num belo dia ensolarado, ao sair de uma representação de Sófocles, te chamarão para atender alguém acometido de cólicas abdominais, que te apresentará um urinol nauseabundo, dizendo satisfeito: “ainda bem que tive a precaução de não jogar fora”. Recordas então que terás que agradecer e mostrar todo o teu interesse por aquela dejecção.
Até a própria beleza das mulheres, consolo dos homens, se desvanecerá para ti. As verás pelas manhãs, desgrenhadas, desprovidas de maquilhagem, com parte dos seus atractivos espalhados pelos móveis do quarto. Deixarão de ser deusas para se converterem em seres afligidos pela miséria, sem graça. Só sentirás por elas compaixão.
O mundo parecer-te-á um grande hospital, uma assembleia de seres que se queixam. A tua vida transcorrerá à sombra da morte, entre a dor dos corpos e das almas, assistindo algumas vezes ao luto de quem está destroçado por haver perdido o pai, e outras vezes, a hipocrisia daquele que, à cabeceira do agonizante, faz cálculos sobre a sua herança.
Pensa bem enquanto há tempo. Mas se, indiferente à fortuna, aos prazeres, à ingratidão e, sabendo que te verás, muitas vezes, só entre feras humanas, ainda tens a alma estóica o bastante para encontrar satisfação no dever cumprido; se te julgas suficientemente recompensado com a felicidade de uma mãe que acaba de dar a luz, com um rosto que sorri porque a dor passou, com a paz de um moribundo que acompanhaste até ao final; se anseias conhecer o Homem e penetrar na trágica grandeza de seu destino, então, torna-te médico, meu filho."
x.o.x.o. Fah. Vasconcelos