Finalmente se aproximava a noite de sua sexta-feira insensantemente cansativa, como ele a desejara, a liberdade, a aventura, a companhia imensurável das pessoas que amava , parecia tudo tão bom quando fugia da realidade cotidiana de estudos e responsabilidades, para ser dar o prazer de ser ele mesmo. Sem censuras, apenas ele, em sintonia com a lua, a noite, a magia do momento. Eram dias como esse que lhe fazia renascer aquela nítida sensação de vividez.
Procura a melhor roupa em seu guarda-roupa, se produz, dança sozinho em frente o espelho, ensaiando as batidas da música com seu mexer meio desingonçado, mas que no momento certo deveriam pelo menos aparentar razoabilidade com o que é proposto.
O próximo passo de sua rotina bastante metódica para que tudo saia perfeito, é o incentivador de sua descontração, o vinho guardado a meses, além de bastante sutil e suave, lhe trazia uma sensação um tanto quanto alucinógena de bem-estar, sem excessos, apenas o suficiente para que dance e se divirta sem vergonha de uma sociedade que julga e critica o tempo todo. Já lhe bastava ser alvo das atenções da alta classe quando vestia sua roupa social e representava o Estado cinco dias na semana e fingia ser aquilo que não mais desejava se tornar.
Então parte.
A festa está linda, pessoas agradáveis, sorrisos espontâneos, gestos sem controle,
playlist variada e de boa qualidade. Feito.
Porque então ele não se sentia bem e confortável com o momento? Porque algo insistia em lhe tornar um estranho no paraíso? Talvez porque sempre abominou as relações pessoais serem apenas baseadas em um jogo de falsas aparências. E ele aceitou jogar, deveria ir até o fim, ganhando ou perdendo. O fato é que nunca ganhou nesse jogo, por isso já espera pelo fim, pela simples previsibilidade do
Game Over.
Tão inocente, ele acreditava que no alge da festa, com a música perfeita como trilha sonora, um alguém olharia para ele, alí, sentado, distraído vendo a multidão dançar como se fosse a última vez, e enxergaria sua doce áurea, sentiria uma conectividade, se aproximaria, sem medo da reação que isso fosse causar, e olharia seus olhos castanhos, sorriria e ele sorriria de volta, sem graça, mas em resplendor. O momento, o
feeling, a troca de olhares, a conversa inteligente, as vozes ritimadas, os lábios, o toque, o arrepio, o cheiro...
Sua tímidez lhe travava os músculos, seu Ego controlava a mente, nunca soube demonstrar interesse, provelmente seu superego também estava envolvido nessa conspiração que não lhe permitia se abrir ao mundo, consequência de tudo, ele sofria calado, em seu pequeno grande mundo, se refugiando assim do medo da solidão que insistia em lhe assombrar todas as noites. Por dentro chorava, por fora falava sorrindo, para não ser vítima, nem merecedor de pena e compaixão daqueles que conseguiram aquilo que ele tanto almeja...
somebody to love.
"É tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificílimo contar. Olhei pra você fixamente por instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isto de estado agudo de felicidade."
Clarice Lispector